ANTONIO LUCENI é uma personagem presente e atuante na história recente de Araçatuba, especialmente no que se refere à Educação e à Cultura, razão pela qual já foi contemplado com o Troféu Caingangue, outorgado pela Câmara Municipal de Araçatuba a servidores públicos que se destacam em diferentes áreas na cidade; o título de Cidadão Araçatubense, pela mesma instituição, em razão dos relevantes serviços prestados em Educação e Cultura; o troféu Odete Costa (duas vezes) por publicações e premiações nos níveis local e nacional, entre outros prêmios e honrarias. Exerceu o cargo de Diretor Municipal de Cultura entre os anos de 2005 e 2008, atuou como educador nas diferentes redes e níveis de ensino. Atualmente, é professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo - IFSP, atuando em cursos nos níveis técnico e superior. Escritor, membro da Academia Araçatubense de Letras, já lançou mais de 20 livros, entre autorais e coletâneas, além de ser colunista de diferentes periódicos na região.
Por ocasião do lançamento de seu mais novo livro, MAS QUE PRESSA É ESSA?, o Araçatuba Facts (AF) bateu um papo com ele.
AF: Luceni, fale sobre sua paixão pela escrita e pela literatura?
AL: A palavra sempre me atraiu, tanto a oral quanto a escrita. Quando eu era criança, antes mesmo de ler e escrever, meu pai trazia uns cartazes e propagandas de produtos do lugar onde ele trabalhava, num shopping em São Paulo. Aí ele colocava esses materiais nas paredes de casa e, sem saber, já estava nos estimulando em relação às letras, às palavras, à escrita... Lembro-me de um cartaz específico, do chocolate Lacta, um cartaz enorme, que tomava uma boa parte de uma das paredes da cozinha de casa, com umas letras coloridas, meio arredondadas, com volumes e brilhos... Aquilo tudo me encantava. Eu ficava olhando aquelas letras, cores, texturas e tal, perguntando várias vezes para minha mãe o que estava escrito e tentando "adivinhar" sozinho cada uma das letras e sílabas. Eu não via a hora de aprender a ler e a escrever pra, sozinho, decifrar o mundo mágico das palavras escritas. E assim foi, cada vez mais, minha relação com o mundo das palavras, escritas e faladas, sendo aprofundado. Depois vieram as redações escolhidas para leitura em efemérides nas escolas por onde passei, produção de HQs etc. até eu "virar" escritor e publicar meus próprios livros. As palavras sempre foram algo de encantado pra mim. Lembro que, quando adolescente, brincava de fazer "roleta russa" com o dicionário e escolher uma palavra aleatoriamente por dia. Reconhecer os muitos significados dela e as possibilidades de uso em conversas e em redações, pelo simples prazer de conhecer palavras novas.
Em relação à literatura, especialmente, foi esse lugar da "palavra grávida", da possibilidade de ela ser muitas e ao mesmo tempo; o encantamento de uma frequência outra, diferente da palavra-comum, do dia a dia. Dos muitos modos de uso e estilos nos diferentes autores e autoras, poetas e tudo mais. Nos momentos mais difíceis, e nos mais prazerosos também, a literatura, a poesia, e as artes de modo geral, foram sempre minhas melhores companhias. Muitos de meus preconceitos foram dirimidos a partir de leituras; vindo de família de classe social baixa, minhas melhores viagens, minhas terapias necessárias vieram dos livros, da literatura e da poesia. Portanto, eu não consigo separar a minha vida deles. São uma coisa só.
AF: Pra você, por que é importante a literatura infantil ou escrever para crianças?
AL: Creio que um pouco dessa pergunta já foi respondida nas anteriores. De todo modo, acho que o que posso acrescentar é justamente, no dizer de Antonio Candido, a literatura, a poesia, e toda linguagem artística é um direito incompressível, ou seja, não pode ser negado a nenhum de nós, incluindo as crianças e adolescentes. Nós não nos relacionamos com arte porque não temos o que fazer ou porque somos alienados. Não. Como seres humanos (e até onde sabemos, somos os únicos bichos que fabulamos) temos necessidade de arte. Para citar outro intelectual brasileiro, Ferreira Gullar, "a arte existe porque a vida não basta".
AF: Quais benefícios uma pessoa tem ao entrar em contato com livros desde criança?
AL: Os benefícios do contato entre crianças, adolescentes e todos nós com os livros são muitos, desde os mais práticos, como aumento de vocabulário, maior concentração, reflexão e visão de mundo mais apuradas etc. até algo que não é mensurado, que não pode ser percebido, necessariamente, de modo mais objetivo, que é muito particular e tem a ver com o universo da imaginação, da inventividade, da empatia e de tantas outras coisas pertencentes ao mundo místico e holístico de cada um de nós. Dá saúde mental em dia, dos alinhamentos dos chacras, por assim dizer. (Risos) Olha, como você pode mensurar ou investigar os sentimentos provocados pela paixão, pela felicidade, pelo desnudando da cegueira sobre muitos temas e questões? É um pouco disso do bem (e do mal) que a literatura e a poesia nos causam.
AF: Você lança hoje mais um livro voltado para o público infantojuvenil. Por que você acha que ele deve ser lido?
AL: Meu mais recente livro, Mas que pressa é essa?, se inscreve num programa de escrita que venho desenvolvendo desde o primeiro que lancei, Júlia à procura da consciência perdida, já esgotado. A saber: eu quero refletir a própria condição humana, suas virtudes e defeitos; o ser humano de carne e osso; o monstro e o deus que cada um de nós pode ser. E, como humanos, efêmeros. Quanto tempo vivemos? 60, 70, 100 anos? Vivemos menos que uma tartaruga e nós achamos especiais demais. A gente precisa ter clareza, desde cedo, que fazemos parte de um todo, que somos uma parte de uma cadeia imensa que se chama universo. Quando compreendermos isso, quando nos colocarmos em nosso devido lugar e condição, penso, encontramos um caminho bom enquanto humanidade. E essa discussão precisa começar desde cedo, com nossas crianças e adolescentes. Não é querer passar uma lição de moral, uma receita da felicidade, não. É refletir sobre nossa presença neste planeta, em nossa relação com os outros seres, com os recursos tão necessários para nossa sobrevivência... E acho que isso tudo atravessa meus livros, como no já citado "Júlia" (a preocupação de uma menina acerca de sua consciência como condição básica na relação com o mundo em que vive), no "Poesia, pipoca e pião" (em que elementos básicos para viver - arte, comida e brincadeira), no "Mosca Feliz" (a condição, a relação e tempo de vida de uma mosca, metaforizando minha própria relação com o mundo), "O Menino e o Vento" (nossa breve passagem por esse planeta e por algumas vidas) etc. e, agora, com "Mas que pressa é essa?", numa questão tão contemporânea sobre nossa relação com o deus-cronos, esse senhor de todas as coisas. Acho que por tudo isso meus livros podem estar no horizonte leitor dos que se aproximarem deles por algum motivo. Eu ficarei feliz se conseguir tocar algumas pessoas, crianças, jovens e adultos, com minhas palavras. Assim como elas tocaram a mim primeiro.