Cultura

Rejeição



Ao primeiro vislumbre sobre a possibilidade de publicação de meus escritos, há algum tempo, busquei por veículos de comunicação em que pudesse ter a oportunidade de vêlos divulgados, a fim de que, ao menos algumas pessoas, mesmo que apenas as mais conhecidas, pudessem ter contato com minhas ideias e com as minhas parcas reflexões a respeito de tudo um pouco. 

Um escritor que se dedique, ainda que por poucas horas semanais, deve adquirir o hábito constante da leitura como uma função primária de autoconhecimento, bebendo em várias fontes de informação o repertório mínimo que lhe proporcionará uma nova visão sobre o mundo e suas coisas.

Desse hábito resulta a base de conhecimento literário e as referências que darão forma ao seu estilo.

Afinal, tudo é imitado até que se adquira um molde a ser preenchido com o conteúdo da vida e das experiências pessoais.

Além disso, um escritor que se dedique deve se colocar diante das situações como um ator ou personagem ativo, a partir das quais pelos sentidos elabora novas estruturas de pensamento e as sintetiza na forma de prático conhecimento.

A dor e a alegria, por exemplo, são elementares naturais da existência humana e, se bem aproveitadas, possibilitam-nos a mais alta causa das inspirações.

Nada obstante, o escritor aspirante também necessita de um meio pelo qual possa dar vazão a seus escritos, uma vez que nele se constroem rotineiramente o palco para a elaboração de uma obra concreta, a partir de pequenas vitórias, ao cabo da conclusão dos textos e das respectivas publicações. 

A priori, não cogitei a publicação de poesias, primeiro formato em que dispus meus pensamentos, tendo em vista a pouca adesão dos leitores, por acreditar serem desinteressantes ou pouco produtivos à sua recepção, esses majoritariamente acostumados com a leitura de textos corridos, em linguagem objetiva e tecnicamente mais acessível. Escrever poesia é uma coisa. Publicá-las é outra.

Eu mesmo, aos primeiros contatos com esse formato, não me aderi, por falta de uma adequada compreensão.

No entanto, com o tempo, o exercício da leitura poética, aliado ao conhecimento envolto nesse tipo de escrita, encontrei a relevância nesse modelo de pensamento, pois a poesia, antes, é uma forma de pensamento imagética transposta em palavras, aptas à criação de imagens à mente do leitor, concedendo-lhe novas experiências aos sentidos, por força das palavras dedicadamente selecionadas à sua construção.   

Pois bem. Nesse intento, busquei contato com redatores e pessoas responsáveis por publicações em jornais distintos, fazendo a remessa de crônicas recém criadas.

A crônica tem nome derivativo do termo grego chronus – “tempo” em língua portuguesa – e, em geral, resume o formato de escrita em que o autor dispõe de pensamentos livres em tempos determinados, não tanto elaborados como um conto ou um romance, tipos de ficção, embora com estrutura literária típica e distinta dos demais estilos.

Nela é possível que se discorra sobre qualquer coisa: um pensamento, uma reflexão, uma vivência, uma experiência ficcional, um problema, ou mesmo que se expresse a falta de um assunto que nela se inscreva. 

Em resposta aos meus pleitos de escritor, mensagens carinhosas de cumprimentos e agradecimentos, com o destaque:

O JORNAL NÃO TEM INTERESSE NESSE TIPO DE MATERIAL.  Fiquei triste, obviamente.

Coisas da vida. No entanto, uma negativa de interesse, uma porta que se fecha entre olhares desconfiados também são experiências dignas de serem reformuladas e comunicadas. Insisti na interlocução petitória com o administrador da imprensa.

Ao menos lhe faria conhecer os meus motivos, embora despretensiosos, meus textos são dignos de serem publicados em primazia.  - Posso ao menos saber o motivo da recusa? - A imprensa veicula informações aptas e condignas ao interesse supremo do leitor.

Afinal, tal qual qualquer empresa, a manutenção desse veículo depende dos rendimentos auferidos pelo jornal por parte do assinante, que, com os seus rendimentos, exige informação de qualidade, afinada aos seus interesses, dentro do que se espera, não distante dos acontecimentos corriqueiros e banais da sociedade.

Peço gentilmente que nos compreenda. Ninguém tem tempo para a arte.

Além disso, há o pleito dos anunciantes, sem o qual o jornal não se mantém. Um produto ou serviço, para ser anunciado, tem de ser pago.

Um artigo de cunho artístico ou literário não rende leitores, e consequentemente, sem leitores, não há espaço onde anunciar. 

Ou você imagina que um publicitário queira anunciar onde não se lê? As colunas são fechadas e os temas congelados.  - Pois onde estaria a qualidade em congelar os temas? Sugiro que os deixe derreter.

Os acontecimentos da comunidade não se circunscrevem apenas à exposição do sensacionalismo das vontades compradas.

Um veículo que se preze, a meu ver, tende a ser multifacetado à medida dos amplos interesses sociais, que não são poucos.

A informação forja a mente de quem a lê. É medida de instrução e aperfeiçoamento do leitor.

Eis aí uma oportunidade para ver-me escrito. Não proponho devaneios ou loucuras sem fundo, embora possa assim lhe parecer. Não o julgo, talvez não tenha adequada visão do que faça.

Em minhas crônicas, por exemplo, posso lhes dar uma rara oportunidade de proporcionar coisas e conteúdo em outro escopo e formato.

Em que mundo vocês vivem? Os pequenos cronistas se tornaram grandes com o auxílio dos jornais. Longe de mim ser grande.

Quero apenas ser lido. Deixa-me a impressão, e inclusive, a informação fidedigna de falhas na sua própria formação de comunicador.

Jornalistas costumam ser exímios leitores, por força do próprio ofício inscrito em sua missão: comunicar.  - Comunicamos o que é financeiramente rentável. Não nos confere interesse amplificar a capacidade do leitor. Sei muito bem do que me fala.

Mas na prática, impossível. Ademais, a imprensa atua como um poder oculto dentro da pauta republicana.

Deve ser uma aliada da política e dos interesses de seus representantes, que também nos pagam por parte do que se publica.

O país há muito está em frangalhos, e não há o que se faça. Educação em baixa, saúde precária e segurança fraca. Não por mero acaso.

Há quem interessa o cidadão bem informado das coisas altas e transformadoras, se isso não interessa ao próprio Estado? Sejamos francos.

Escreva algo que exploda, que jorre sangue, lágrimas pelas páginas. Assaltos a carro forte, pernas amputadas, cabeças decepadas ou acidentes nas estradas.

Um menor abandonado, um idoso violado, um crime não solucionado. Que tal? Sei lá. U

ma notícia quente, um fato policial eloquente que aprisione a cabeça do leitor cansado, que reforce os seus medos e anseios impraticados, ou ainda, a descrição de uma vida banal, das pessoas bem vividas, que trabalham, viajam e postam nas redes sociais um alvíssimo sorriso, falso e artificial, sem dar notas ou conhecimento do que lhes é verdadeiramente real.

A sociedade em perfeito estado não rende votos, tampouco correligionários.

O jornal não quer soldados. Ano que vem temos novas eleições, afinal.

Caso prefira, traga-me fotografias aos relatos cheios de expressões e belezas vazias, à cara puxada de procedimento estético-facial.

Quem sabe, assim, não recomeçamos essa conversa em tom mais que especial? 
Façamos o seguinte.

Francamente e sem pressa, farei uma nova crônica dessa conversa.

Encontrarei quem a publique e, um dia, quem sabe, possa lê-la em um outro jornal. Obrigado pelo tempo disposto, desejo-lhe sucesso, envolto a um sincero abraço fraternal.


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