Cultura

Trocar o joelho



Rezei muito quando era moço, enquanto criança também. Na vida adulta, voltei a rezar. Na velhice, estou vivendo da reza acumulada.

Não é de tanto ajoelhar-me em oração que preciso trocar uma das rótulas, por ironia do destino, a da direita desgastou mais, está podre. Estou a caminho do hospital da Unimed de Araçatuba como um carro vai para a oficina trocar o amortecedor.

Fugi dessa cirurgia como o diabo foge da cruz, mas aos 76 anos, não aguentei mais. Na leitura da papelada de minha última avaliação médica (check-up), Dr. Gabriel Cortopassi, me disse com toda pompa de uma mensagem de que um médico gosta de dizer ao paciente: você está bem, parece um garoto de 20 anos, e tem mais 20 para viver. Está provado que ser linguarudo é saudável. Com tantos anos pela frente, resolvi aligeirar meus passos. Deixar de ser caquético. H

avia muita estrada para andar, festa para curtir. Como disse minha filha: você está indo para o hospital como se fosse ao dentista extrair um dente.

Enfrentar os problemas com alegria é a melhor alternativa. Esses dias que antecederam a cirurgia me levaram às reflexões, eu me lembrei até da tia Hermínia.

O desgaste da patela se deu devido a um genuvaro (pernas tortas, perna de alicate). O jogador Garrincha teve outro tipo de curvatura na perna.

No meu caso, a esquerda endireitou (essa figura de linguagem se chama oxímoro), e a direita continuou curva, atrapalhada, me deixou com dois centímetros a menos, daí a produção de artrose, que produz dor. Ando a poder de analgésico robusto. Além da questão estética. Anos atrás.

Eu via minha tia Hermínia (já idosa na época) na sua casa arrumando a cozinha quase dependurada na pia, por que os seus joelhos doíam muito. As duas pernas eram tortas.

E não sabia que o destino me reservava o mesmo, um genuvaro pouco menos agressivo. Com a atual tecnologia, cada velho se transforma num robô: óculos, transplantes dentários, aparelho auditivo, prótese de joelho, fêmur, além do tadalafila.

As mulheres além das cirurgias plásticas, aplicação de botox etc. Melhor mal acompanhado do que sozinho, nem que seja por um velho robotizado.

Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor. Membro das academias de letras de Araçatuba-SP, Andradina-SP, Penápolis-SP, Itaperuna-RJ.


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